terça-feira, 4 de maio de 2010

Notas sobre a grande seca de 1932, por José Romero Araújo Cardoso

A grande seca de 1932 iniciou-se de fato em 1926, com um breve intervalo em 1929, tendo se configurado em verdadeiro cataclisma sócio-econômico na região nordeste nos anos seguintes, atingindo o ponto culminante no ano que a imortalizou, cuja calamidade fez com que o flagelo, tantas vezes repetido, assumisse proporções devastadoras, principalmente para a população carente.

Sob os auspícios do Ministério de Viação e Obras Públicas do Governo Provisório de Vargas, dirigido com decisão férrea pelo paraibano José Américo de Almeida, reiniciaram-se os trabalhos de açudagem no sertão. Obras paralisadas desde a década de 20 foram então progressivamente retomadas, tendo em vista que a confiança de Epitácio Pessoa nas oligarquias, enquanto condutora das obras públicas, fazendo valer as prerrogativas da descentralização político-administrativa da República Velha, não havia surtido nenhum efeito prático, pois na verdade houve avassaladora onda de corrupção.

Ressurgiam velhos projetos, paralisados desde a gestão de Arthur Bernardes (1922-1926), dos açudes como o Itans, o Gargalheira e Lucrécia, no Estado do Rio Grande do Norte, Boqueirão de Piranhas, São Gonçalo e Condado, no Estado da Paraíba, sendo que este último não constava na idealização original, inserido, com certeza, graças à intervenção de Ruy Carneiro, oficial de gabinete do Ministro de Viação e Obras Públicas, e Lima Campos, no Estado do Ceará, entre outros.

Flagelados da grande seca foram aproveitados nas obras que o Ministério de Viação e Obras Públicas implementava nos Estados Nordestinos. Multidões se formaram nos canteiros de obras, a grande maioria sem a mínima noção de higiene, sendo responsáveis pelo acúmulo de lixo e dejetos humanos em escala gigantesca.

O regime alimentar, composto basicamente por farinha e carne seca, agravou o quadro de desnutrição crônica da população flagelada, aumentando ainda mais a possibilidade de acontecer um surto epidêmico.

No final de dezembro de 1932, quando as chuvas finalmente começaram a cair no Nordeste, o inevitável aconteceu através de um impressionante combinado de infecções que Orris Barbosa, em célebre e clássico livro intitulado “Secca de 32 – Impressões sobre a crise nordestina”, distinguiu como sendo do grupo coli-tífico-desintérico. Em janeiro, fevereiro e março de 1933 as cifras da mortandade entre os “cassacos” alcançavam números impressionantes.

Proliferação de moscas em verdadeiros enxames contribuiu acentuadamente para disseminar os germes causadores de doenças gastro-intestinais. Em pouco tempo os campos de trabalho estavam atulhados de cadáveres da desdita da seca do século XX.

Crianças, portadoras de um quadro lastimável de desnutrição, foram as mais penalizadas, registrando a maioria dos óbitos da grande epidemia que assolou o nordeste brasileiro na década de 30.

Em um trabalho de profundo humanismo e comprometimento, foi organizada pelo Ministro José Américo verdadeira cruzada assistencial às pessoas castigadas pelo surto epidêmico, formando a “Comissão Médica de Colaboração à Assistência e Profilaxia aos Flagelados”, dirigida pelo Dr. José Bonifácio P. da Costa. O Departamento Nacional de Saúde Pública também formou comissão objetivando “inspecionar as zonas infestadas e determinar as medidas imprescindíveis à profilaxia da região” (BARBOSA, 1935, p. 67-74).

A infestação, assumindo proporções desesperadoras, era um desafio à profilaxia, o que fez com que o Departamento Nacional de Saúde Pública invocasse a participação imediata dos departamentos de higiene dos Estados acometidos pelo surto devastador, iniciando-se um intenso policiamento de focos de moscas e mosquitos.

Gradativamente a peste foi sucumbindo à ação inexorável da competência das ações do Ministério de Viação e Obras Públicas do Governo Provisório de Vargas em prol da debelação de um dos maiores flagelos que já assolou o nordeste, cuja união nefasta com a seca fê-la marca indelével no imaginário popular que ainda guarda na lembrança o grande desafio que foi vencer a maior epidemia que o nordeste foi submetido, de forma inclemente, na década de 30 do século passado.

Bibliografia Consultada:

BARBOSA, Orris. Secca de 32 – Impressões sobre a Crise Nordestina. Rio de Janeiro/RJ: Andersen Editores, 1935


(*) José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo (UFPB). Professor-adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA – UERN. Contato: romero.cardoso@gmail.com.



Um comentário:

  1. Naquele tempo não havia aposentadoria rural nem a rede de assistência social implementada principalamente pelo Governo Lula, um filho da seca e do Nordeste, imperava a força do latifúndio e dos médios proprietários rurais, que se aproveitavam da pobreza do povo pagando-lhe miseráveis diárias, quando havia serviços em suas ricas terras.
    No final do ano, sem trabalho, vinha a fome dos diaristas, enquanto esses senhores tinham os seus silos abalrotados de milho, feijão e arroz, além de dinheiro no bolso, produto da venda do algodão, o Ouro Branco do Nordeste, que era produzido mediante o trabalho e o suor dos probres.

    Como camponês de origem, filho de pequeno proprietário rural, mas que também explorava, de certo modo, a força de trabalho desses pobres e infelizes diaristas, vi isso acontecer nas décadas de 1960 e 1970.

    Chocado ante tamanha desigualdade e injustiça, tornei-me socialista, influenciado principalmente pela farta literatura, tida como subversiva pelos esbirros da ditadura militar e pelos miseráveis anticomunistas da época, que me eram repassadas por mãos ocultas - benditas mãos de homens ou mulheres que lutavam na clandestinidade pelo bem do Brasil e da humanidade.

    A seca hoje não assusta mais.

    Mas "a luta continua, companheiros!", pois ainda há muito o que fazer.

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