terça-feira, 17 de julho de 2012

MPF aciona estado da Paraíba contra terceirização da saúde



Ação busca anular contrato de gestão do Hospital do Trauma e impedir novas terceirizações da gestão da saúde na Paraíba

O Ministério Público Federal (MPF) na Paraíba ajuizou, na terça-feira (10), ação com pedido de liminar, para que a Justiça anule o contrato de gestão de administração do Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena (Hospital de Trauma), localizado na capital. O contrato, no valor de R$ 44.075.121,41, foi celebrado em 2011 entre a Secretaria de Estado da Saúde (SES/PB) e a Cruz Vermelha Brasileira (CVB), filial do Rio Grande do Sul. O MPF busca também impedir novos contratos de terceirização na gestão da saúde no Estado. 

A ação é contra a União, o estado da Paraíba e a CVB/RS e fundamenta-se ainda em irregularidades detectadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em auditoria realizada na Secretaria de Saúde da Paraíba, entre 17 de outubro de 2011 e 14 de novembro de 2011. O TCU constatou inúmeras irregularidades e atos de improbidade administrativa, como ausência de comprovação de experiência técnica da entidade contratada, ausência de justificativa para a escolha da entidade CVB/RS, bem como falta de justificativa de preço contratado, além de fundamentação indevida para contratação da entidade com dispensa de licitação.

Detectou-se que a qualificação e confirmação da CVB/RS como Organização Social (OS) foi feita sem que fossem preenchidos os requisitos previstos na Lei Estadual nº 9.454/201, que instituiu o Programa de Gestão Pactuada da Saúde na Paraíba. O contrato de gestão, por sua vez, foi celebrado sem definição de metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como sem previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade.

Houve ainda a realização de repasses financeiros à contratada sem vinculação quanto ao cumprimento de metas pactuadas no contrato de gestão, aquisição de bens e serviços sem prévia licitação e contratação de pessoal para exercer atividade-fim do hospital sem realização de concurso público.

Lei inconstitucional – O Ministério Público Federal pede que a Justiça declare a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 9.454/2011, tendo em vista que o estado invadiu a competência privativa da União de legislar sobre normas gerais de licitação e contratação. O MPF frisa que a lei estadual tenta legalizar a dispensa de licitação no processo de terceirização dos próprios serviços públicos de saúde, como ocorreu com a seleção da CVB/RS para gerenciar o Hospital do Trauma, na qual houve contratação direta.

Para o Ministério Público Federal, a inconstitucionalidade, ilegalidade e a lesividade do Programa de Gestão Pactuada promovido pelo estado da Paraíba já justificaria a concessão da liminar. “A saúde é, ao lado da educação e da segurança, o campo onde a atuação do Estado constitui dever absolutamente indeclinável. O Estado tem que garantir a assistência universal", enfatiza o MPF.

Privatização da saúde - O Ministério Público argumenta que o programa, da forma como será implementado, transferirá para a iniciativa privada, na prática, a gestão das unidades hospitalares – prédios, móveis, equipamentos, a direção do corpo funcional dos hospitais públicos, e, especialmente, a responsabilidade pela movimentação de recursos federais – sem previsão do devido processo de licitação, em um claro ato de lesividade ao patrimônio público. “Não há que se falar sequer em gestão compartilhada, pois o que existe é uma verdadeira terceirização do serviço público, uma maquiagem que descamba para a privatização da saúde”.

Argumenta-se na ação que, além do governo da Paraíba revelar claramente que pretende que o SUS no estado seja gerido e prestado pelas organizações sociais, a União, com sua indiferença, contribui para esta prática. “Ora, essa forma mascarada de privatização - que tem sido combatida em âmbito nacional pelo MPF, por meio do Grupo de Trabalho da Saúde da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – é feita por meio de repasse de fundo público federal para fundo público estadual, que repassa para o setor privado”.

O Ministério Público ainda ressalta que a continuidade dos efeitos do contrato de gestão impugnado trará prejuízos enormes aos cofres públicos, diante da ausência de controle dos atos praticados pelos dirigentes da unidade hospitalar. A privatização não só irregular do ponto de vista legal, mas altamente lesiva aos cofres públicos. O contrato com a Cruz Vermelha para gestão do Hospital de Trauma foi renovado no mesmo valor daquele pactuado em 2011.

Novas terceirizaçõesO MPF alerta para a intenção do governo estadual de ampliar o programa de gestão pactuada dos serviços públicos de saúde na Paraíba pois, desde a publicação da medida provisória, já foram qualificadas quatro organizações sociais para gerir e administrar os serviços de saúde estadual: Cruz Vermelha, Pró Saúde, Instituto Social Fibra e a AçãoMedVida. Duas estão exercendo a gerência da assistência à saúde pública, o Instituto Social Fibra, à frente da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Guarabira, e a Cruz Vermelha, que atua no Hospital do Trauma.

A ação cita ofício no qual o secretário estadual da saúde ressalta que “o modelo de gestão pactuada pode ser expandido para os demais hospitais do Estado, se a medida provisória for aprovada pela Assembleia Legislativa”. Em 6 de janeiro de 2012, em matéria jornalística, o secretário informou que “a intenção do governo do estado é expandir o processo de pactuação para toda a Paraíba, principalmente para os hospitais de grande porte e os 12 regionais”.

Mais pedidos – Em caráter liminar, o MPF pede também que a Justiça determine ao estado que reassuma a prestação integral dos serviços públicos de saúde no Hospital de Emergência e Trauma, sendo anulado o contrato existente e ainda impedido de celebrar novas terceirizações, para o referido hospital ou qualquer outra unidade de saúde. Caso o estado descumpra a decisão, o MPF pede a suspensão de todos os repasses do Fundo Nacional de Saúde ao Fundo Estadual de Saúde, ficando os recursos bloqueados em conta à disposição do Juízo, até que sejam adotadas as medidas previstas na ação, tudo sob pena de multas e bloqueio de recursos federais, no caso de descumprimento de qualquer das medidas determinadas.

Pedidos definitivos – Além da declaração da inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 9.454/2011, no que permite a terceirização de serviços públicos, o MPF pede que a Justiça impeça o governo estadual de implementar o Programa de Gestão Pactuada nos moldes previstos pela referida lei, sob pena de suspensão do repasse de verbas federais do SUS a Paraíba.

O Ministério Público também pede que a Justiça determine à União que não faça repasses ao Fundo Estadual de Saúde, enquanto não implementadas pelo estado as medidas postuladas na ação, além de fiscalizar os recursos já repassados a fim de que não sejam aplicados na terceirização de serviços de saúde, bem como apure o prejuízo causado por todas as irregularidades na administração terceirizada do Hospital do Trauma, adotando as medidas administrativas e judiciais cabíveis para restituição do Fundo Nacional de Saúde dos valores desviados, tanto por parte do estado da Paraíba quanto pela Cruz Vermelha Brasileira/RS.

Pede-se ainda que a CVB/RS seja condenada a restituir ao Fundo Estadual de Saúde (e Fundo Federal de Saúde) todos os valores recebidos por força do contrato ilegal, com devidos os acréscimos legais.

Por fim, pede-se a condenação das partes rés ao pagamento de valor não inferior a R$ 1.500.000,00 a título de dano moral coletivo, valor este que deve ser revertido à população afetada, sendo aplicado integralmente em melhorias no Hospital do Trauma ou revertidos ao Fundo Federal de Defesa dos Interesses Difusos.

Ação Civil Pública nº 0005448-93.2012.4.05.8200, ajuizada em 10 de julho de 2012.


Entenda o caso – Em julho de 2011 o estado da Paraíba celebrou com a Cruz Vermelha Brasileira, filial do Rio Grande do Sul, o Contrato de Gestão nº 001/2011 cujo objeto prevê a operacionalização, apoio e execução de atividades e serviços de saúde no Hospital de Emergência e Trauma em João Pessoa.

Antes da assinatura do contrato direto com a CVB/RS, o governador do estado havia declarado, por força do Decreto Estadual nº 32.178/2011, a situação de emergência do Hospital de Trauma, pelo prazo de 90 dias, em razão de paralisação, à época, deflagrada pela categoria médica que atuava na unidade. Assim, o decreto estadual determinou, como medida de caráter emergencial, a “contratação direta de serviços e aquisição de bens necessários à prestação de assistência médico-hospitalar à população atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive, mediante credenciamento da rede privada de hospitais e clínicas”.

A partir de então, deram-se início às tratativas com vistas à contratação da Cruz Vermelha Brasileira/RS para administrar o Hospital de Trauma, mediante o contrato de gestão mencionado, sem licitação e cujo prazo de vigência vencia em dezembro de 2011.

Contudo, embora supostamente tal pactuação tenha sido celebrada em razão da necessidade de se adotar medidas urgentes - revelando uma situação provisória - no início de 2012, os gestores públicos estaduais renovaram o contrato, anunciando publicamente a inicial e verdadeira pretensão de implementar um programa de estado que visa transferir paulatinamente para as instituições privadas, denominadas Organizações Sociais (OS), a gestão dos hospitais públicos na Paraíba. O valor do contrato foi o mesmo do pactuado em 2011, por seis meses de vigência: R$ 44.075.121,41.

Dentre as várias ilicitudes do Programa de Gestão Pactuada, destacam-se as seguintes:

·Os serviços de saúde são de natureza essencial, não sendo, portanto, passíveis de prestação por pessoa jurídica privada em unidades públicas;
·A Constituição e a Lei nº 8.080/90 só admitem a participação da iniciativa privada de forma complementar quando demonstrada a insuficiência do SUS;
·Pessoas jurídicas de direito privado, como as organizações sociais, não podem gerir as unidades públicas de saúde, posto que não se caracteriza tal prestação como forma complementar de prestação de serviços, admitida pela Constituição Federal;
·As organizações sociais, embora sejam proclamadas de natureza pública não estatal, são, na prática, pessoas jurídicas privadas que terão a possibilidade de administrar recursos públicos sem qualquer controle;
·O programa estadual de gestão pactuada, por sua dimensão e natureza, acaba excluindo o Estado da prestação dos serviços de saúde, já que as organizações sociais são verdadeiras pessoas jurídicas de direito privado;
·Priva o erário dos mecanismos de proteção impostos pela Constituição, tais como a licitação, o controle pelo TCU, a exigência de concurso público para admissão de pessoal, a exigência de regras para utilização e alienação de bens públicos;
·Os contratos de gestão não protegem o patrimônio público e não podem substituir os controles constitucionais da Administração Pública.


Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República na Paraíba

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